Uma Viagem de Motocicleta ATRAVÉS DOS ANDES – última parte, publicada em 1950


Nota do Editor de Motostory: “Quando Decio Kerr nos deu noticia desta viagem do pai dele pela primeira vez, ele tratou logo de explicar que a mesma”não chegou ao seu objetivo final, as águas do Oceano Pacífico, pois a turma não conseguiu atravessar a Argentina.” Ele nos deu apenas a cópia da primeira parte da matéria, publicada originalmente na revista Motociclismo número 5, de novembro/dezembro de 1949. Não tínhamos o restante da reportagem, até que Edgard Soares nos forneceu as demais edições guardadas no acervo de seu avô. Para a nossa surpresa, o conteúdo espalhado em quatro edições da revista (as três primeiras já publicadas no nosso site) também não dão aparente fim à jornada. Da coleção da revista Motociclismo da época, editada por Eloy Gogliano e Wilson Fittipaldi, temos conosco as edições 1 a 11, além dos números 14 e 15, publicadas entre novembro de 1949 e inicio de 1952, e em nenhuma delas a reportagem segue além do que estamos publicando aqui. Ainda assim, nossa pesquisa sobre o tema não para e, se e quando encontrarmos novidades, vocês serão os primeiros a saberem. apreciem sem moderação mais um episódio de “Uma Viagem através do Andes”.
A “CARAVANA DA BOA VIZINHANÇA” , formada por: Ayres Nogueira, despachante oficial; Bernardo Ciambelli (Médico); Ciro P. Oliveira (Médico); José Lamoglia Neto (Negociante)


Capa da edição Numero * da Motociclismo, maio / junho de 1950 – Reprodução Motostory
Uma Viagem de Motocicleta ATRAVÉS DOS ANDES (Texto original de Maio / Junho de 1950)
4o de uma série de artigos, por Ayres Nogueira
Como disse no artigo anterior, a recepção que nos foi feita em Pôrto Alegre emocionou-nos realmente. O Sr. Mena Barreto, presidente do Moto-club local, e diversos motociclistas vieram ao nosso hotel, para nos acompanhar até a sede do Club , onde nos foi oferecido um aperetivo e onde fomos saudados por vários dos muitos esportistas ali presentes. Tudo isso e o interesse sincero e agradável que nos era demonstrado a todo instante, animavam-nos a prosseguir com maior determinação em nossa longa e cansativa viagem.
O nobre e valente povo gaúcho proporcionou-nos momentos de grande atenção. Não somente por parte das autoridades, mas também de pessoas não ligadas ao motociclismo, as quais se confessavam admiradoras e entusiasmadas pelo nosso feito que, segundo diziam, era uma prova da vontade, determinação e do valor do povo brasileiro.
Atravessamos todo o estado do Rio Grande do Sul encantados com sua gente e com suas coisas. Julgamos mesmo que é salutar e verdadeiramente importante que nós os paulistas conheçamos melhor e mais de perto os sentimentos de camaradagem e sincera amizade que os gaúchos votam a seus irmãos de São Paulo. Citamos apra exemplo um fato. As nossas motocicletas foram recolhidas a uma garagem de propriedade dos Srs. Chazam & Cia., onde mandamos fazer as limpezas necessárias, trocas de óleos de motor, câmbio, etc. Quando pedimos a conta, o Sr. Chazam não o fêz, dizendo que nada tínhamos a pagar e que sua firma se sentia honrada em poder nos homenagear de algum modo. Esse é apenas um dos fatos que citamos a fim de demonstrar as delicadezas com que fomos distinguidos na terra dos Pampas e que constituem um incremento aos nossos esforços em prol do esporte.
No dia 31-10-49, fomos recebidos pelo Exmo. Sr. Governador Dr. Valter Jobim, que consignou em nosso diário o seguinte: Tivemos a satisfação de receber a “Caravana da Boa vizinhança” que nos é trazida por um grupo de denodados – “Bandeirantes”. O Rio Grande os recebe prazerosamente, almejando que atinjam o término de sua jornada sob os melhores auspícios. Porto Alegre, 31-10-49 – Valter Jobim, Governador.”

No Palácio do Governo, onde atenciosamente fomos recebidos por S. Excia., e por todos os seus auxiliares, mantivemos com S. Excia. palestra animada durante quase uma hora, e ali saboreamos um delicioso cafezinho. estava presente o Sr. Deputado Federal, Glicério Alves, que consignou em nosso diário o seguinte: “Como Gaúcho saúdo os bravos filhos de Piratininga, que ora nos honraram com sua visita e que nos dão nítida impressão de Ideal e Força. P. Alegre, 31-10-49 – Dep. Federal Glicério Alves.
Na Prefeitura Municipal de Porto Alegre fomos recebidos pelo sr. L. Maneghetti, digníssimo prefeito municipal. Foi uma recepção verdadeiramente calorosa, durante a qual mantivemos com S. Excia. uma palestra bastante interessante, animada, com a presença do Sr. Domingos Spolidoro, Presidente da Câmara Municipal daquela progressista Capital, os quais consignaram em nosso “Diário” o seguinte, respectivamente:
“É com grande satisfação que recebo a visita da distinta “Caravana da Boa Vizinhança”. Desejando-lhes todas as felicidades, peço que levem o abraço amigo da cidade de Porto Alegre a todas as cidades por que passarem.”  Em 31-10-49 – L Meneghetti – Prefeito Municipal.
“Aos bravos componentes da “Caravana da Boa Vizinhança” o nosso abraço fraternal, com os votos de que consigam cumprir seus objetivos.” Porto Alegre, 31-10-49, Domingos Spolidoro, Pres. Cam. Municipal”.
A nossa partida de Porto Alegre verificou-se no dia 2 de novembro, às 6 horas da manhã. O dia prometia ser esplêndido, pois o sol já surgia no horizonte, banhando a magnífica cidade de Porto Alegre. Exatamente às 6 horas, largamos rumo à cidade de Rio Grande, a última cidade brasileira em que íamos pernoitar. Nas proximidades de Porto Alegre, deparamos o famoso Rio Guaíba, cuja travessia fizemos nos barcos que fazem regularmente esse serviço. O “Comando” estava sob a responsabilidade do Sr. José Lamoglia Neto,a estrada bastante arenosa, havendo trilhos profundos em trechos bastante sinuosos. A viagem tornou-se então bastante penosa, uma vez que a velocidade raramente chegava a 80 quilômetros. após três horas de viagem, o “Comandante” perdeu as estribeiras e “abriu” a maquina, causando-nos sérias dificuldades em acompanhá-lo não o perdendo de vista; verificaram-se sérias derrapagens , contudo não houve “aterragens”, o que eu considero uma questão de sorte, sobretudo para mim, pois tinha o braço esquerdo a doer horrivelmente em virtude de forte distensão muscular.
Uma das muitas paradas ao longo da viagem rumo ao Oceano Pacífico, mas que nunca chegou ao seu destino.
Às 10 horas mais ou menos, fizemos uma parada em uma vilazinha, onde tomamos um reforçado café, e fomos informados de que tal estrada iria melhorar dali para diante. Essa informação, como verificamos mais tarde, não correspondia à verdade, se bem que para automóveis a estrada seja relativamente boa: para motocicleta entretanto, ela é simplesmente péssima, não oferecendo segurança com seu palmo de areia.Felizmente porem, às 3 horas da tarde começamos a sentir alguma melhora na estrada e, assim a velocidade foi aumentando gradativamente para evitar surpresa desagradáveis. Passamos nesse trecho pelos seguintes lugares – Gaipa, Tapes, Camaquã, Boqueirão e São Lourenço.
Às 5 horas da tarde chegamos à progressista cidade de Pelotas. Na entrada da cidade, a uns 10 quilômetros mais ou menos, fomos recebidos pelo Sr. Presidente do Moto-Club local, que foi de uma atenção única, durante o pouco tempo que ali ficamos, tendo-nos acompanhado a té a saída da cidade.
Nota do editor de Motostory: Como é possível ver na reprodução na íntegra da matéria, o texto original termina exatamente neste ponto, como se uma segunda pagina não tivesse sido impressa. Diferente dos textos anteriores, este parece não ter fim. Checamos a edição toda mas não há continuidade, nem nos números seguintes. Mas, para completarmos a informação sobre esta epopeia, incluímos as lembranças de Decio Kerr sobre as histórias que ouviu do pai Ciro.


Por Décio Kerr Oliveira, em memória de seu pai Ciro Oliveira.
“Em 1949 quatro jovens motociclistas paulistas resolveram conhecer o Chile montados nas suas reluzentes Triumph Bonneville 500 cc. Um dos participantes conhecia o Dr. Ademar de Barros, Interventor do Estado de São Paulo, e por isso fizeram a largada simbólica da viagem no Palácio do Governo nos Campos Elísios depois de pegar uma carta de apresentação para o “Presidente” Perón.
Nesta carta o governador de São Paulo apresentava os motociclistas como os Bandeirantes do Século XX para seu amigo, o “Presidente” da Argentina, Juan Domingo Perón.
Meu pai sempre dizia que, naquela época, o asfalto acabava no fim da Av. Rebouças em São Paulo.  Como ele não pôde treinar muito antes da viagem devido aos problemas de saúde da sua mãe, levou pelo menos um tombo por dia até chegar no Rio Grande do Sul. Um detalhe me chamou a atenção nos relatos dele: De que, atravessando a fronteira no Chui, as estradas concretadas estavam muito bem conservadas.
 As paisagens no Paraná e Santa Catarina eram de tirar o folego e prendiam a atenção de qualquer piloto, eram a justificativa para a “compra de tanto terreno” (tombos) nos primeiros dias da viagem. No Rio Grande do Sul o único caminho era pela praia em quase todo percurso.
Ao chegar num acampamento cigano no Rio Grande do Sul estranharam a presença somente de mulheres, crianças e idosos e enquanto atiravam moedas pra alegria da garotada um dos participantes resolveu “ler a mão” na tenda de uma jovem e bela cigana. Depois de alguns minutos, detrás de uma pequena elevação ao lado do acampamento, começaram aparecer os ciganos empunhando seus facões e foi o tempo de chamar o companheiro na tenda pra deixar o local às pressas. O amigo nem teve tempo de saber seu futuro.
Também me lembro de ouvir meu pai falar que eles foram muito bem recebidos pelo povo, imprensa e autoridades Uruguaias, com direito a recepção oficial no Palácio do Governo.
Ao tentar embarcar as motos para a travessia da Bacia do Rio da Prata os fiscais da aduana Argentina pediram o Tríptico, uma espécie de carta de fiança na qual os proprietários se comprometiam a não vender seus veículos no país. Era a nossa conhecida Guia de Importação Temporária dos dias atuais.
 Sem o Tríptico não entrava mesmo e nem adiantou mostrar a carta do Ademar. 
Deixaram as motos no porto uruguaio e atravessaram a Bacia do Rio da Prata com o propósito de conseguir um salvo conduto do presidente Argentino pra poder atravessar seu país e chegar ao Chile.
 Empolgados com as belezas da capital Portenha foram para a Casa Rosada, sede do governo, pra mostrar a carta de apresentação do Ademar ao presidente e pedir a autorização para entrar com as motos na Argentina. Começaram a tirar as fotos de praxe da bela praça do Palácio e não deu outra; foram detidos por policiais impecavelmente uniformizados e na delegacia tiveram seus filmes confiscados e o pior de tudo, nem conseguiram chegar perto do presidente. O jeito foi embarcar as motos no Uruguai e voltar de navio para o Brasil, agora com a bronca contra o “Hermanos Portenhos” bastante aumentada. 
 Lembro como se fosse hoje dos treinos que meu pai fazia lá pras bandas da Cidade Ademar, na Cupecê, próximo ao Aeroporto de Congonhas me levando sentado no tanque da sua Triumph bordô, igualzinha a da foto abaixo.”
A Triumoh 1949 de Ciro Oliveira era igual a esta, identificada pelo filho Decio Kerr na internet




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