Entrevista a Dai Arai – O pai da tecnologia DCT da Honda



Um dos principais responsáveis pela criação da tecnologia Dual Clutch Transmission da Honda aceitou dar uma entrevista. No 10º aniversário do DCT, falamos com Dai Arai.

Pode parecer que a tecnologia Dual Clutch Transmission (DCT) está entre nós há pouco tempo. Mas a verdade é que já passaram dez anos desde que a Honda introduziu no mundo das duas rodas uma revolução na forma como encaramos o sistemas de transmissão das motos.

A transmissão DCT da marca japonesa foi algo totalmente inovador, e mesmo após uma década em desenvolvimento, a Honda continua a ser o único fabricante de motos a disponibilizar uma tansmissão de dupla embraiagem que permite trocas de caixa suaves e diferentes modos de utilização.

E é precisamente no ano em que se celebra o 10º aniversário da chegada do Dual Clutch Transmission que temos a oportunidade de falar com Dai Arai, engenheiro chefe do projeto, e que podemos considerar como o “pai” do DCT.

Dai Arai começou a trabalhar na Honda em 1999. Nesta entrevista ficamos a conhecer um pouco melhor a sua vida, a sua ligação às motos e à Honda, mas também os desafios que teve e ainda tem de enfrentar na criação de motos com DCT.


- Qual é a origem do Dual Clutch Transmission?


Dai Arai – Antes do meu tempo na Honda, havia outras transmissões automáticas como a caixa de velocidades “Hondamatic”, que em 1970 utilizava um conversor de binário, ou ainda a Human Friendly Transmission usada na DN01. Portanto, antes do lançamento da VFR1200F, já tínhamos a ideia de uma transmissão automática há muitos anos. A diferença do DCT para esses sistemas é que evita as perdas (de potência) e por isso dá uma sensação mais direta e desportiva.

- Qual foi o problema mais difícil de resolver?

Dai Arai – Tudo o que envolveu o desenvolvimento do primeiro DCT para a VFR1200F foi uma verdadeira luta. Nunca ninguém tinha feito algo do género, por isso foi bastante díficil tanto do ponto de vista do hardware como do software. Foi, de facto, a primeira vez que os engenheiros de transmissões estiveram envolvidos com controlos eletrónicos. Ao nível do hardware tivemos de criar um cárter que pudesse ser usado tanto em transmissões DCT como em manuais, que permitisse transmissões manuais e DCT no mesmo quadro. Por isso usámos dois veios principais, com um no interior do outro para manter o conjunto compacto. Conseguir que esse conjunto tão pequeno fosse forte e resistente foi um desafio.

Também tínhamos o desafio de reduzir o ruído das trocas de caixa. Porque o mecanismo de engrenagens é, basicamente, o mesmo de uma moto manual, o DCT faz exatamente o mesmo ruído que uma transmissão manual. Para alguns motociclistas, ouvir o ruído nos modos automáticos sem realizar o habitual movimento de troca de caixa manual poderia ser estranho. Por isso reduzir o ruído foi um desafio extra.

Do lado do software, programar os intervalos de troca de caixa para esta nova tecnologia foi o grande problema. Ninguém tinha tentato fazer um sistema deste tipo, e demorámos milhares de horas para conseguir programar os intervalos de troca de caixa.

- Qual é que achas que foi o maior desenvolvimento nesta década de utilização do DCT?

Dai Arai – Não é possível apontar para uma coisa só como sendo a mais importante. Isto porque o sistema tem vindo a ser desenvolvido ao longo da década, com alterações diferentes que não só melhoraram o próprio DCT,  mas que permitiram exponenciar ainda mais as características de cada moto.

Um dos grandes desenvolvimentos foi o regresso automático ao modo Automático depois do condutor usar os seletores manuais para trocar de caixa. Foi necessária muita programação para fazer com que o regresso automático fosse intuitivo, porque temos de calcular as condições de utilização e a intenção do condutor. Era uma redução para travar para um curva apertada, uma redução para fazer uma ultrapassagem em linha reta, etc. Não é apenas uma questão de fazer o sistema regressar ao modo Automático após alguns segundos.

Mais tarde refinámos a forma como o acelerador faz o “blip” nas reduções, para igualar as rotações e assim tornar as reduções de caixa realmente suaves. Estas mudanças envolveram grande trabalho ao nível da sincronização com a injeção PGM-Fi. Também introduzimos a função “Adaptive Clutch Capability Control” que utiliza o sistema de controlo eletrónico do DCT para fazer a embraiagem deslizar um pouco quando o acelerador passa de totalmente fechado ou totalmente aberto. Isso tornou o comportamento da moto mais suave. Por outro lado temos o interruptor G que foi introduzido na CRF1000L Africa Twin e depois na X-ADV. Este sistema reduz a quantidade de deslizamento da embraiagem dando uma sensação mais direta da tração da roda traseira. Em fora de estrada isto permitiu aos condutores realizarem derrapagens controladas.

Depois ligámos o sistem aos modos de condução graças ao acelerador eletrónico “throttle by wire”. Isso ajudou a reduzir os tempos das trocas de caixa. E na mais recente CRF1100L Africa Twin, graças à ligação à unidade de medição de inércia, conseguimos refinar as trocas de caixa ao percorrer uma curva, pois a IMU fornece informações sobre o ângulo de inclinação. Por isso o sistema tem sido melhorado ao longo do tempo, e continuará a ser melhorado. Essa é uma das coisas boas deste sistema DCT.

- Como é que descreves os benefícios do sistema DCT?

Dai Arai – O maior benefício é a quantidade de “largura de banda” que o DCT liberta no nosso cérebro. Ficamos com maior liberdade para aproveitar o que de melhor há quando conduzimos uma moto. Curvar, procurar as melhores trajetórias, temporizar a travagem e a aceleração. Outra coisa boa é que é fácil e direto. Fácil pois não temos de estar a usar a embraiagem no trânsito lento, não há hipótese da moto ir abaixo, o passageiro não vai bater com o capacete no do condutor. Direto por causa da velocidade das trocas de caixa, a utilização dos seletores tipo gatilho, e, como já mencionei, porque nos concentramos apenas na condução da moto.


- Onde é que gostarias de ver ser aplicado o DCT no futuro?

Dai Arai – Pessoalmente, gostaria de ver o DCT ser usado na nossa moto do Rali Dakar. Aquele tipo de condução – em que há fadiga e a concentração é tão importante – significa que o sistema poderia de facto ser um enorme benefício. Fora de estrada as pessoas costumam ficar surpreendidas como o DCT as pode ajudar. Trabalhar com uma manete de embraiagem quando estamos de pé na moto não é fácil, requer muita energia e concentração. E, claro, com o DCT o motor não vai abaixo em situações mais complicadas.

- Como é que o controlo é diferenciado de moto para moto?

Dai Arai – Basicamente através dos diferentes programas para temporização das trocas de caixa. Cada modelo é diferente. Por exemplo, o padrão de trocas de caixa na X-ADV é muito mais desportivo do que na Integra. Troca de caixa a rotações mais elevadas e também reduz de caixa a rotações mais elevadas para maior efeito travão motor. Cada modelo DCT é programado de forma individual para um padrão específico, o que adiciona carisma à condução.

- Qual é a tua mensagem para aqueles motociclistas que dizem que o DCT não é para eles?

Dai Arai – Por favor, experimentem! Poderá levar um curto período de tempo até se habituarem, mas de facto abre muitas novas possibilidades na forma como conduzem uma moto.


- Qual era a tua ambição quando eras mais novo?


Dai Arai – Queria ser um mecânico de Fórmula 1. A F1 era realmente grande no Japão quando eu era mais novo, com pilotos como o Ayrton Senna e o Satoru Nakajima. E eu pensei que seria fantástico e “cool” ser um mecânico no pit-lane.

- O que é que estudaste?

Dai Arai – Engenharia Mecânica. Depois especializei-me mais no estudo dos controlos de software e comunicação entre humano/máquina. Fizemos robôs que praticavam “kendo” através de controlos remotos como parte das nossas pesquisas. Isso envolveu desenhar partes do robô e dos controlos de software. Esta experiência ajudou-me quando entrei na Honda.

- Qual é a tua maior fonte de motivação?

Dai Arai – Quero entender a linguagem das máquinas... o que é que elas nos estão a dizer? Quando era mais novo, eu adorava desmontar as coisas e depois voltar a montar. Fazia toda a manutenção nas minhas bicicletas, arranjava os leitores de CD, e substituia peças nos amplificadores para conseguir o melhor som possível. Até hoje em dia tenho esta vontade, e não consigo ignorar quando vejo que alguma coisa está errada ou mal numa máquina. Quando estou a conduzir e oiço algum ruído que me faz pensar que alguma coisa está mal, tenho de parar para tentar perceber a causa do problema e como o solucionar.

- Qual foi a primeira moto que compraste?

Dai Arai – Foi uma CRM250R. Era a moto mais potente que eu tinha capacidade para comprar naquela altura, mas na realidade eu queria uma VFR400R. Tirei a minha carta de condução sem dizer aos meus pais. Quando lhes disse que ia comprar uma moto, eles disseram “Então e não é melhor tirares a carta primeiro?”, e foi então que lhes disse que já a tinha tirado.

- Quais são as motos que tens atualmente?

Dai Arai – Uma XR250R de 1991, uma Monkey de 1982 e uma Ducati Monster 750 de 2001.

- Qual a moto que ainda gostavas de ter e porquê?

Dai Arai – A minha VTR1000F. A minha mulher e eu decidimos que tinha de vender umas das nossas motos, e a minha mulher conduz a Monster. Por isso “decidimos” que teria de ficar com essa!

- Qual é a moto dos teus sonhos?

Dai Arai – Adorava poder conduzir a moto de MotoGP de 5 cilindros, a RC211V. Tive a sorte de poder conduzir uma MotoGP quando estava a desenvolver o “quickshift”. E recentemente tive a oportunidade de conduzir uma NR de 1992. Foi fantástico!

Como estou responsável pelo desenvolvimento e pesquisa das transmissões automáticas, gostava de experimentar a CB750 EARA Hondamatic e a Juno com a transmissão estilo Bandalini.

- Quais foram os projetos em que estiveste envolvido na Honda?

Dai Arai – Em quase todas as motos com DCT desde a VFR1200F. Trabalhei no “quickshift” da Fireblade. E em diversos modelos Moto2 e Side-by-Side.

- Quem foi a pessoa mais influente na tua carreira?

Dai Arai – Foi Soichiro Honda. Fui particularmente influenciado pelo livro que escreveu sobre a forma de ver a vida. Ele parecia ter uma personalidade capaz de iluminar uma sala e alegrar as pessoas que estavam à sua volta, e eu tento ser o mais alegre possível no meu trabalho.


- Qual é o teu país preferido?
Dai Arai – Japão e Itália.

- Qual é o teu livro preferido?
Dai Arai – Livros de história japonesa, da era dos samurais.

- Filme favorito?
Dai Arai – Cinema Paradiso.

- Comida favorita?
Dai Arai – Gyoza.

- Mac ou PC?
Dai Arai – PC.

- Cerveja, sake, vinho...?
Dai Arai – Sake japonês e cerveja alemã.

- MotoGP, Mundial Superbike ou...?
Dai Arai – MotoGP.

- Quem era o teu herói nas duas rodas?
Dai Arai – Tadayuki Okada. Ele foi o pioneiro para os pilotos japoneses.

- Todo o combustível do mundo esgotou-se. Mas tu tens os últimos 10 litros. O que fazias?
Dai Arai – Dava-o a alguém que precisasse e trabalhava para conseguir um mundo em que não seja preciso a gasolina.




https://www.andardemoto.pt/moto-news/50987-entrevista-a-dai-arai-o-pai-da-tecnologia-dct-da-honda/

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