Prevenir e evitar furos numa moto - Parte II
Na primeira parte deste artigo debruçámo-nos sobre os desagradáveis furos em motos de cariz mais asfáltico, fizemos um rápido percurso sobre a história da roda e prometemos que, posteriormente, iríamos abordar a perspetiva mais aventureira e fora de estrada. Ora aqui estamos.
Certamente já todas/os repararam que as motos
de cariz mais aventureiro usam raios nas rodas. Já se perguntaram
alguma vez porquê? Será por uma questão de custos? Estética? Moda? Peso?
Apenas porque sim? Para se distinguir das mais estradistas e
asfálticas?
Pode haver um bocadinho da resposta em todas estas opções, mas a explicação de fundo é outra. Comecemos por aí...
As jantes
Fora de estrada, nos mais que comuns impactos
com obstáculos, como buracos, pedras, regos, desníveis, receção de
saltos…, uma roda raiada tem naturalmente uma maior capacidade de
absorção e dispersão do impacto, do que uma jante de liga leve fundida.
As
jantes de raios oferecem uma excelente capacidade de flexão e torsão
que atenua e redistribui a intensidade do impacto, evitando a fadiga e
até mesmo a quebra do material. Os raios unem o cubo das rodas ao centro
dos respetivos aros e, na prática, o esforço é distribuído de forma
mais homogénea por toda a estrutura.
Danos mais sérios, como
partir um raio ou mesmo estalar o aro, são pouco prováveis de acontecer,
sobretudo se não existirem danos anteriores (mesmo que não visíveis),
se a pressão no interior dos pneus for a adequada ou os raios tiverem o
aperto correto.
Além disso convém lembrar que, fora de estrada, a
própria pressão no interior do pneu é muito menor, logo, o impacto a
que a estrutura está sujeita será muito superior. Enquanto que numa moto
de estrada a recomendação do fabricante pode ser, por exemplo 2,0 bar à
frente e 2,2 bar atrás, numa moto off-road é comum usar, por exemplo
1,0 bar à frente e 0,8 bar atrás, essencialmente para conseguir gerar
mais tração!
Mesmo nas grandes maxi-trails, quando se precisa de
melhorar a tração, fora do asfalto… reduzir a pressão dos pneus faz
milagres! Convém é depois pensar em repor o valor anterior se for para
andar em alcatrão!
Resumindo, no momento presente, as rodas
raiadas são a melhor opção para quem quer partir à aventura por maus
caminhos, ou para uso mais radical. As medidas mais comuns são aros de
21 polegadas à frente e 18 atrás (nas motos de cross e afins é comum o
uso de 19, mas apenas nestas). Relembro a importância do aperto correto
dos raios já que basta um em mau estado (mesmo que camuflado por um
bonito tubo colorido) para existir um ponto de fraqueza.
Falta agora abordar a perspetiva do que vai
dentro da roda. Já abordei o tema na primeira parte deste artigo, mas
ficou muito por escrever, nomeadamente perceber se as rodas raiadas são
ou não compatíveis com sistemas tubeless.
Na estrutura mais comum
e menos onerosa a compatibilidade é menor. Temos o cubo da roda no
centro e dele partem os raios, geralmente cruzados, que se vão unir ao
centro do aro da roda. No cubo, os raios são apenas encaixados e no aro
as “cabeças dos raios” são aparafusadas aos respectivos.
Como
resultado acaba por haver uma maior flexibilidade nesta zona e o risco
de fuga de ar é maior, logo, a opção sem câmara torna-se menos
interessante, mesmo que seja usada uma fita em toda a volta interior da
jante para melhorar a estanqueidade, ou um selante flexível… que deixa
de ser útil caso seja necessário reapertar ou substituir um raio!
Fruto
da criatividade e génio humano, pensou-se em criar algo diferente:
inverter o sistema! Ou seja, fazer com que o encaixe do raio seja feito
no exterior do aro e o respectivo aperto no cubo! Esta solução, de
produção mais dispendiosa, faz todo o sentido, mas torna a roda mais
pesada e também não é perfeita, pois aumenta a pressão sobre o cubo. É
mais vulgar nas motas de aventura, não tão radicais, mas quase
inexistente nas motos de enduro, MX, SX…
Abordemos então as
diferentes soluções para um uso mais radical, excluindo para já a opção
tubeless, pelas razões enunciadas, para mitigar o risco de furos...
Câmaras de ar
Continuam a ser uma solução muito comum,
prática e pouco onerosa. São uma espécie de posição do missionário nas
rodas de moto, que não costuma deixar-nos mal, o que não invalida que
nem sempre seja a melhor opção, mas continuo a dizer que são um valor
seguro e existem para todos os tamanhos e modelos.
As câmaras de
ar exigem um especial cuidado no processo de montagem e desmontagem para
evitar um trilhadela e correspondente furo. É tão frustrante ter o
trabalho todo de mudar um pneu (e quem pratica TT com motos mais
potentes e em piso mais duro sabe que o pneu traseiro se evapora a uma
velocidade alucinante) e, na fase final, por exemplo com um movimento
mais descuidado do desmonta pneu, causar um furo e ter que repetir todo o
processo! Aqui o pó de talco costuma ser uma boa ajuda! Fica a dica.
Para
(des)ajudar, há que ter também especial cuidado com o tranca pneu, que
não é mais que uma estrutura aborrachada que se aparafusa por fora do
aro e ajuda a que a câmara não rode dentro do mesmo, causando o
movimento e corte da válvula e correspondente furo e inutilização da
câmara, já que nesse caso não há remendo que nos valha!
Para
reduzir um pouco mais o risco de furar, recomendo (e uso) câmaras
reforçadas. O seu preço é um pouco mais elevado (cerca do dobro), são
mais pesadas e rígidas, mas muito mais resistentes, sendo que a sua
espessura é de 3 ou 4 mm, ou seja, o dobro de uma câmara de ar
tradicional! Valem bem o investimento!
Naturalmente que o tipo de pneu (duro, médio,
macio…) e respetivo desenho, também tem muita influência, tal como o
piso onde se vai maioritariamente circular (areia, lama, erva, pedra,
misto…), a necessidade de maior ou menor tração (e correspondente
pressão), a velocidade a que se vai circular (as câmaras de ar são menos
sensíveis a esta variável, mas outros sistemas não) e por aí adiante.
Como
estamos (e bem) a deixar a economia linear e a apostar numa circular
(reduzir, reutilizar, reciclar) partilho ainda aquela que considero a
minha escolha pessoal para o uso de câmaras de ar: usar sempre uma
câmara de ar à volta! Ou seja, pego numa câmara velha e inutilizada,
faço uma corte a toda a circunferência no interior, retirando a válvula e
uso essa câmara à volta da nova, quase duplicando assim a resistência e
reduzindo o risco de um indesejado furo.
Solução prática e
simples, apenas dá um pouco mais de trabalho mudar um pneu, mas nada de
grave e que justifica perfeitamente o trabalho extra.Escusado será dizer
que para quem faz competição a opção camara de ar acarreta riscos, e
que um furo pode ser o suficiente para deitar por toda a preparação de
dias ou semanas, agora para o uso meramente recreativo e sem grandes
ambições, defendo que continua a ser, provavelmente, a melhor opção.
As Mousses
E se enchessemos a estrutura interior da roda
com borracha esponja ou algo parecido, e não uma câmara de ar? Assim
acabavam-se os furos! Deve ter sido mais ou menos isto que pensou quem
inventou esta alternativa que pode ser uma excelente solução, que também
não é perfeita ou então se fosse... toda a gente recorria a ela!
A
sua grande vantagem é ser praticamente imune a furos, mesmo em pisos
mais adversos, mas nem tudo são rosas: logo para começar, não são
baratas! Um bom kit de mousses, para o comum dos mortais, pode custar
bem mais de 200 euros! São mais caras que os pneus! Além disso, são
pesadas, o processo de montagem/desmontagem é mais difícil e não ao
alcance de todos (eu não o faço), implica o uso de um gel lubrificante e
não dão para regular a pressão, ou seja, é aquela pressão que vem de
fábrica e pronto!
Por outro lado, são menos resistentes a
temperaturas e velocidades mais elevadas. Tomando por exemplo o Dakar,
têm que ser mudadas todos os dias e nos pisos mais quentes e rápidos
chegarem ao fim do dia já é uma sorte, mas para a maioria dos nossos
pilotos, nem que seja apenas de fim de semana, são uma excelente opção
numa lógica de custo benefício, sendo que se tiverem manutenção,
nomeadamente aquando da mudança de pneus, são até bastante duráveis.
Além disso, nem todas as mousses são
compatíveis com todos os tipos de pneus. Pode parecer algo exagerado,
mas não é. Se o manual da vossa mousse tiver a indicação que não é
compatível com o pneu x ou y ou que não deve ser utilizada em asfalto…
respeitem essas indicações e vão ver que as mousses serão mais eficazes e
duradouras.
Com o uso continuado, incluindo as mudanças de
pneus, acabam por sofrer bastante e a pressão que exercem vai diminuído.
Partilho agora uma das técnicas de “desenrascar” e fazer com que durem
mais algum tempo: na perspetiva de reduzir, reutilizar, reciclar…
coloquem uma câmara velha à volta e pode ser que tenham mousse para mais
algum tempo, talvez até acabar com a vida útil de mais um pneu!
Ainda
sobre as mousses, aparecem por vezes usadas, à venda, tal como os
pneus. A compra ou não deve ser uma opção pessoal, mas sinceramente não o
recomendo, mesmo que o aspeto exterior seja bastante bom, há a questão
da validade que é sensível, e ainda que tipo de uso tiveram, e o facto
de sofrerem deformação quando a moto está muito tempo parada, não sendo
detetável a olho nu...
Deixo assim a minha derradeira
recomendação sobre as mousses, caso seja esta a vossa opção: a moto deve
estar a repousar sobre um descanso central, cavalete ou outra solução
que evite a deformação das mesmas e lhes prolongue a vida… poupando o
vosso dinheiro!
A solução TUBliss
Esta é uma opção tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos, sobretudo para uso recreativo, mas não só.
Tem
uma enorme vantagem face às mousses, pois permite regular a pressão do
pneu consoante os desejos do utilizador, podendo ser usada muitas vezes,
desde que não se deteriore, podendo adquirir-se posteriormente apenas
as peças que nos fizerem falta, e não o kit completo.
É um
sistema recente que tem vindo a evoluir/melhorar, e que transforma uma
jante de raios normal, numa jante tubeless. É composto por uma câmara de
ar de elevada pressão (cerca de 100 psi ou seja, 6,9 bars que, se
perfurada, pode causar uma explosão, facto que não é comum ocorrer) e
uma membrana que isola qualquer fuga de ar através dos orifícios dos
raios, ao mesmo tempo que aperta o pneu contra o aro.
O sistema
permite rodar com pressões muito baixas, ou nenhuma, sem que o pneu se
mova, mantendo em simultâneo a proteção dos aros. Um eventual furo
resolve-se da mesma forma que num pneu tubeless, mas o sistema permite
que, mesmo com um furo, se possa continuar viagem.
Na prática, este sistema permite escolhermos nós a pressão que queremos
na câmara de expansão exterior, já que o sistema tem duas válvulas,
permitindo um controlo fantástico em função das nossas necessidades e
gostos pessoais.
O sistema implica sempre ter dois furos no aro
(um para encher a câmara de alta pressão, e outro para o pneu, pelo que é
necessário fazer um furo adicional, que deve ser feito com muito
cuidado para não danificar toda a estrutura da jante.
Porém, uma
vez mais, não são apenas vantagens. Logo para começar, o preço também é
elevado, comparativamente às mousses, e convém não esquecer que convém
ter cuidados na sua instalação, sobretudo se for a primeira vez. Mas
para isso, não faltam na web vídeos que podem servir como tutorial de
instalação… (pode ver um video abaixo).
Uma vez que existe a tendência para furarmos
mais frequentemente na roda traseira e é aí que existe maior esforço e
necessidade de “jogar” mais com a tração, nomeadamente em pisos mais
complicados como pedra molhada, podemos, por exemplo, optar por um
sistema tubliss na roda de trás e mousse ou mesmo câmaras reforçadas na
roda dianteira. Que vos parece?
Pela minha parte considero este
um sistema bastante interessante, mais ainda se for na perspetiva do
endurista, que procura uma opção em que permita variar bastante a
pressão na roda traseira, desde que não se pretenda atingir grandes
velocidades, como sucede no rally-raid ou em trajetos mais rápidos, tipo
os estradões do nosso Alentejo ou numa escapadinha às pistas de
Marrocos.
Outras alternativas
Naturalmente que um furo é sempre algo
indesejado e inesperado, mais ainda quando se está longe de tudo e de
todos e a última coisa que queremos é ficar pendurados no meio de lugar
nenhum, sem uma alma caridosa por perto para nos ajudar… o que me faz
renovar o conselho: evitem andar sozinhos em offroad!
Já
percebemos também que não existem soluções perfeitas e que as opções
devem ter em conta vários fatores, nomeadamente o uso que se pretende
dar e o próprio custo associado pelo que outras alternativas são sempre
bem vindas, sobretudo se mostrarem que são eficazes, duradouras e não
muito dispendiosas.
As chamadas tireballs, que poderíamos
traduzir como “bolas de pneu” são um sistema diferente, mas com o
objetivo comum de evitar furos. Consiste em inserir várias bolas de
borracha dentro do pneu, devidamente lubrificadas, ajustar a pressão a
cada uma delas (todas têm uma válvula) e depois acabar de montar o pneu e
pronto! Em Portugal nunca conheceram grande sucesso, nem mesmo nas
moto4!Também não são uma solução barata, nem permite ajustar a pressão
de forma prática, mas ao menos se furar ou rebentar uma das bolas…
apenas é necessário mudar essa! O que equivale a dizer que é importante
ter bolas suplentes, isto sem qualquer outra conotação!!!
Mais
alternativas, mais ou menos caseiras, são a inserção de bolas de ténis
dentro do pneu (nunca usei, nem conheço quem o tenha feito) e outras
mais ou menos criativas como uma câmara de ar super reforçada, tipo 7 mm
de espessura, que deve ser bem complicada de montar, fora o peso, mas
que será muito resistente a um eventual furo…
Não me querendo
alongar mais, que o artigo já vai extenso, cada um de nós deve escolher a
solução que mais se adequa às diferentes condicionantes, tendo sempre
presente que não são conhecidas soluções completamente perfeitas.
Derradeira
dica que fui aprendendo a usar que e recomendo para quem usa câmaras,
sobretudo no caso das pedras aguçadas: não as tentem contornar, o que
vai acontecer muitas vezes é causar furos nos flancos laterais do pneu
que é menos resistente. Mais vale acertar-lhes de frente! Assim, sem dó
nem piedade! Se empenar o aro… era pouca pressão…
https://www.andardemoto.pt/opinioes/48614-prevenir-e-evitar-furos-numa-moto-parte-ii/
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